Remuneração por capitação é ética? O que o CFM diz sobre médicos e planos de saúde

10/31/20257 min read

a medical stethoscope resting on a stack of money
a medical stethoscope resting on a stack of money

A complexidade da saúde suplementar no Brasil exige um olhar atento às práticas e modelos de remuneração. Recentemente, o Conselho Federal de Medicina (CFM) se manifestou de forma contundente sobre um tema que gera muita discussão: a capitação como modelo de remuneração médica.

Este artigo visa desmistificar o Parecer CFM nº 20/2025, explicando seus pontos cruciais e as implicações práticas para médicos, operadoras de planos de saúde e, principalmente, para os pacientes.

O Parecer do CFM: Um alerta vermelho para a capitação

O Parecer CFM nº 20/2025, sob a relatoria do Conselheiro Francisco Eduardo Cardoso Alves, é categórico: o modelo de remuneração por capitação é eticamente inaceitável sob qualquer forma de implementação na medicina.

Em síntese, o CFM conclui que:

  • Transferência de Risco: A capitação transfere o risco econômico das operadoras de saúde para o médico ou equipe, o que distorce a finalidade da medicina.

  • Conflito Ético: Esse modelo cria um conflito inerente entre o dever de beneficência do médico (buscar o melhor para o paciente) e a pressão para economizar recursos.

  • Mercantilização da Medicina: A prática é considerada intrinsecamente mercantilista, transformando a relação de cuidado em uma relação puramente comercial.

  • Violação de Princípios: A capitação afronta diretamente o Código de Ética Médica (CEM) e a Resolução CFM nº 2.147/2016, violando princípios fundamentais como beneficência, não maleficência, autonomia médica e justiça distributiva.

  • Risco ao Paciente: Acarreta um risco significativo de subtratamento, atrasos diagnósticos e terapêuticos, especialmente para pacientes mais complexos ou graves.

Por que isso importa?

Para todos que atuam no setor ou dependem da saúde suplementar, a posição do CFM é um divisor de águas. O sistema de saúde brasileiro, com suas peculiaridades, busca um equilíbrio entre a sustentabilidade econômica e a qualidade assistencial. Modelos de remuneração, como a capitação, são frequentemente propostos para controlar custos e otimizar a gestão. No entanto, quando essa otimização ameaça a base ética da medicina e a segurança do paciente, o debate se torna urgente.

Este parecer serve como um farol para o Direito Médico, reforçando que a proteção da saúde e a dignidade do paciente devem sempre prevalecer sobre interesses econômicos. Ele afeta diretamente as discussões sobre contratos de planos de saúde, responsabilidade médica e a atuação das operadoras de saúde.

Entenda a linguagem técnica

Para facilitar a compreensão, vamos detalhar os termos técnicos que fundamentam o parecer, tornando o tema acessível a todos:

  • Capitação (Capitation): Imagine que um médico recebe um valor fixo mensal por cada paciente que está sob seus cuidados, independentemente de quantas vezes ele precise de atendimento, exames ou procedimentos. É como ter um "orçamento" pré-definido por pessoa.

  • Fee for Service (FFS): Em contraste, o FFS é o modelo tradicional, onde o médico é remunerado por cada serviço prestado – uma consulta, um exame, uma cirurgia. É o princípio do "pague pelo que usar".

  • Mercantilização da Medicina: Ocorre quando a prática médica, que deveria ser pautada na saúde e no bem-estar do indivíduo, passa a ser orientada primariamente pela busca do lucro. O paciente, nesse cenário, pode ser percebido como um "cliente" e o cuidado como uma "mercadoria", distorcendo os valores essenciais da profissão.

  • Risco Atuarial (ou Risco Econômico): No contexto de planos de saúde, refere-se ao risco de que os custos totais com a saúde de um grupo de beneficiários excedam as receitas geradas. No modelo de capitação, esse risco é, em grande parte, transferido da operadora de saúde para o profissional ou instituição médica.

  • Subatenção/Subtratamento: Com a remuneração por capitação, o médico ou a clínica, ao receber um valor fixo por paciente, pode ser indiretamente incentivado a reduzir o volume de consultas, exames ou encaminhamentos. Esse comportamento, visando "economizar" para aumentar a margem de lucro, pode resultar na omissão de cuidados necessários ou na oferta de tratamento insuficiente.

    • Analogia: Pense em um professor particular que recebe um valor fixo por mês por aluno, independentemente do número de aulas extras ou materiais de apoio que o aluno precise. Se o professor focar apenas no valor fixo, pode negligenciar a necessidade de reforço extra, comprometendo o aprendizado do aluno. No caso da medicina, isso pode ter consequências graves para a saúde.

  • Princípios Éticos Fundamentais (Bioética): São os pilares que sustentam a prática médica ética. O parecer do CFM ressalta a violação de vários deles:

    • Beneficência: A obrigação de fazer o bem ao paciente, buscando sempre o melhor interesse e bem-estar.

    • Não Maleficência: O dever de não causar dano ao paciente, evitando qualquer ação ou omissão que possa prejudicá-lo.

    • Justiça: A garantia de que o cuidado em saúde seja oferecido de forma equitativa, com acesso justo e sem discriminações, independentemente da complexidade do caso.

    • Autonomia Médica: O direito e o dever do médico de tomar decisões clínicas com base em sua consciência, conhecimento técnico e nas necessidades do paciente, livre de pressões externas ou financeiras.

Implicações práticas das recomendações do CFM

As recomendações do CFM trazem consigo um impacto profundo para diversas esferas do sistema de saúde, com reflexos jurídicos significativos:

  • Para Médicos e Equipes Médicas:

    • Dilema Ético Constante: O parecer ressalta que a capitação impõe um "conflito ético insanável" entre o dever de curar e a pressão para economizar, colocando o profissional em uma posição de vulnerabilidade ética e legal.

    • Risco de Responsabilização: Médicos e clínicas que aderirem a esse modelo podem enfrentar questionamentos éticos junto aos Conselhos de Medicina e até ações judiciais, caso a contenção de custos resulte em subtratamento e danos ao paciente. O CFM é claro: a prática "afronta diretamente o Código de Ética Médica".

    • Perda de Autonomia: A autonomia profissional do médico é ameaçada, pois as decisões podem ser indevidamente influenciadas por limites orçamentários em vez da real necessidade clínica do paciente.

  • Para Operadoras de Planos de Saúde:

    • Revisão de Modelos de Remuneração: Operadoras que utilizam ou planejam implementar a capitação precisam reconsiderar suas estratégias. Embora o CFM admita que a capitação possa ser "juridicamente permitido e potencialmente eficiente do ponto de vista econômico", ele é taxativo quanto à sua inaceitabilidade ética. Isso significa que, do ponto de vista legal, o modelo pode ser permitido, mas eticamente é inaceitável para a medicina.

    • Risco Regulatório e Jurídico: A insistência nesse modelo, após um parecer tão contundente do órgão regulador da profissão, pode expor as operadoras a ações judiciais por parte de pacientes e profissionais, além de sanções administrativas por órgãos como a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) e os órgãos de defesa do consumidor, especialmente em casos de subtratamento.

    • Dever dos Diretores Técnicos: O parecer também alerta que a adoção da capitação "fere o dever do diretor técnico de assegurar condições dignas de trabalho, garantir qualidade e segurança assistencial", conforme a Resolução CFM nº 2.147/2016, ampliando a responsabilidade desses gestores.

  • Para os Pacientes:

    • Maior Vulnerabilidade: Pacientes complexos, crônicos ou agudos (como oncológicos, cardiopatas, nefropatas) são os mais vulneráveis ao subcuidado, que pode levar a consequências irreversíveis, agravamento clínico e até morte evitável. Seus direitos de acesso a um tratamento digno e completo são os mais impactados.

    • Defesa dos Direitos: O parecer do CFM oferece um importante subsídio para a defesa dos direitos dos pacientes, reforçando que a qualidade do atendimento não pode ser sacrificada em nome da eficiência econômica.

A primazia da vida e da ética

A posição do CFM é um lembrete fundamental de que a medicina, antes de ser um negócio, é uma missão social e ética. A vida humana e a integridade do cuidado médico não podem ser precificadas ou subordinadas a lógicas financeiras. O parecer CFM nº 20/2025 reforça a inegociável primazia da ética médica brasileira, que "não admite a capitação como forma legítima de remuneração médica" e contraria "o compromisso moral de que nenhuma economia justifica a supressão de cuidado em saúde". Este parecer consolida um entendimento crucial sobre a ilicitude ética da capitação, fornecendo uma base sólida para a atuação na defesa da ética médica e dos direitos de médicos e pacientes.

Precisa de orientação jurídica especializada?

A complexidade das relações na saúde suplementar exige um acompanhamento jurídico atento e estratégico. Se você é médico, profissional da saúde, gestor de clínica, operadora de planos de saúde ou paciente, e se sente impactado pelas questões éticas e jurídicas levantadas pelo Parecer do CFM sobre a capitação, nossa equipe está pronta para oferecer o suporte que você precisa.

Nossos serviços incluem:

  • Para Médicos e Clínicas:

    • Assessoria e Consultoria Contratual: Análise detalhada e revisão de contratos com operadoras de planos de saúde para identificar riscos e garantir a conformidade ética e legal.

    • Orientação Ética e Regulatória: Esclarecimento sobre as diretrizes do CFM e demais órgãos reguladores, auxiliando na adoção de modelos de remuneração que preservem a autonomia e a ética profissional.

    • Defesa em Processos: Atuação jurídica e ética em processos administrativos e judiciais relacionados a modelos de remuneração, subtratamento ou outras questões ético-profissionais.

  • Para Operadoras de Planos de Saúde e Hospitais:

    • Análise de Conformidade (Compliance): Avaliação de modelos de remuneração existentes e propostos para garantir alinhamento com as normas éticas do CFM e a legislação vigente, mitigando riscos jurídicos.

Não deixe que a burocracia ou a pressão econômica comprometam a ética e a qualidade da saúde. Proteja-se e garanta seus direitos.

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