Parecer CFM Nº 18/2025: Quais os limites da Ceratopigmentação e os Riscos ético-legais para a prática oftalmológica

9/19/20259 min read

persons eye in close up photography
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A medicina moderna, impulsionada por avanços tecnológicos e uma crescente demanda por procedimentos estéticos e reparadores, vive em uma constante dinâmica de inovação e regulamentação. Na oftalmologia, essa realidade não é diferente. Novas técnicas, ou a ressignificação de procedimentos já existentes, impõem aos órgãos de classe a tarefa essencial de estabelecer balizas éticas e legais robustas, visando simultaneamente à proteção do paciente e à segurança da prática profissional.

Nesse cenário de evolução contínua, o Conselho Federal de Medicina (CFM), publicou o Parecer CFM Nº 18/2025. Este documento é crucial, pois estabelece diretrizes firmes e, em muitos aspectos, restritivas para a prática da ceratopigmentação, mais conhecida como a popular 'tatuagem corneana'.

Para o médico oftalmologista e para as clínicas especializadas, uma compreensão aprofundada deste parecer não é meramente uma questão de atualização profissional. É, antes de tudo, uma medida estratégica e essencial de compliance, fundamental para a mitigação de riscos éticos, civis e reputacionais que podem comprometer anos de dedicação e expertise. Como advogada especializada em Direito Médico, meu compromisso é oferecer uma análise detalhada e objetiva deste documento, auxiliando profissionais a navegarem com segurança e confiança por esta nova fronteira regulatória que impacta diretamente a prática oftalmológica.

1. Ceratopigmentação: necessidade de regulamentação

A necessidade de regulamentação tornou-se premente quando uma médica oftalmologista, especializada em cirurgias de segmento anterior e qualificada em ceratopigmentação reconstrutiva, formalizou uma consulta ao CFM. Essa iniciativa demonstra a própria apreensão da classe médica diante da ausência de diretrizes claras e a preocupação em distinguir o uso terapêutico do estético.

Conforme detalhado no documento, a solicitação visava especificamente à manifestação do Conselho sobre a regulamentação do procedimento, que visa à reparação da coloração de olhos cegos com leucomas esbranquiçados, com o objetivo de melhorar a aparência estética e a qualidade de vida desses pacientes.

2. A delimitação taxativa do CFM:

O ponto central do Parecer CFM Nº 18/2025 é sua abordagem categórica ao qualificar a ceratopigmentação como um "ato médico de exceção". Esta expressão não é trivial; ela implica uma restrição rigorosa e uma lista taxativa de condições para sua realização, afastando-a da banalização e do uso indiscriminado.

O CFM é enfático ao reconhecer a ceratopigmentação exclusivamente para fins terapêuticos reconstrutivos, o que significa que sua indicação está condicionada a critérios extremamente rigorosos:

  • Para quais pacientes? A indicação é restrita a pacientes que possuem olhos funcionalmente cegos ou com baixa visão extrema e irreversível. Isso elimina qualquer possibilidade de aplicação em olhos com algum potencial visual funcional.

  • Em qual condição ocular? A córnea do paciente deve apresentar opacidades corneanas (leucomas) que comprometem a estética ocular. A pigmentação visa camuflar essas opacidades, não alterar uma coloração já existente em uma córnea límpida.

  • Qual o objetivo preciso? A finalidade primordial é a reabilitação psicossocial, a melhora da autoestima e da dignidade do paciente. É fundamental frisar que o CFM reitera que o objetivo NÃO é a recuperação visual. O procedimento busca aliviar o estigma social e melhorar o bem-estar psicológico do indivíduo.

  • Com qual caráter? A ceratopigmentação deve ser considerada a última opção terapêutica. Isso significa que o procedimento só é justificável após a ineficácia, contraindicação ou não tolerância do paciente a métodos menos invasivos e com menor risco, como o uso de lentes de contato cosméticas.

Esta rigidez nos critérios de indicação reflete a preocupação do CFM com a segurança do paciente e a ética médica, delimitando um campo de atuação muito específico para o oftalmologista.

3. As vedações expressas do CFM:

Se a permissão para a ceratopigmentação é extremamente restrita, as proibições estabelecidas pelo Parecer CFM Nº 18/2025 são categóricas e servem como um alerta vermelho para a comunidade oftalmológica. Desrespeitá-las implica adentrar um terreno de ilicitude ética e civil com consequências graves.

3.1. Vedação para fins estéticos em olhos sadios e com visão normal

O CFM proíbe expressamente a realização da ceratopigmentação com o propósito de alterar a cor de olhos que são sadios e possuem visão normal. A razão para essa proibição é a proteção incondicional da saúde ocular, um dos princípios basilares da medicina.

  • Risco inaceitável: A introdução de pigmentos em uma córnea saudável representa um risco inaceitável e desnecessário. Procedimentos médicos devem visar o benefício do paciente, e submeter um órgão íntegro a um risco cirúrgico sem uma justificativa terapêutica sólida viola diretamente o princípio da não maleficência, um dos pilares da ética médica.

  • Fundamentação ética e precedente: Essa vedação não é um posicionamento isolado. Ela se harmoniza com o entendimento já expresso no Parecer CFM nº 38/2016, que se posicionava contra intervenções arriscadas para fins puramente estéticos sem embasamento científico comprovado. O CFM, ao reiterar essa posição, reforça a cautela necessária em procedimentos que expõem o paciente a riscos sem um benefício à saúde devidamente justificado.

3.2. Vedação para fins funcionais em olhos com qualquer grau de visão útil

Um ponto crucial e que merece atenção redobrada é a vedação do procedimento como tratamento para fins funcionais (como fotofobia, diplopia ou ofuscamento) em olhos que, mesmo apresentando patologias (a exemplo de aniridia, coloboma de íris ou iridodiálise), ainda preservam qualquer potencial visual. Essa proibição se baseia em duas razões cruciais, que podem ter sérias implicações legais para o médico:

  • Risco à visão residual: O procedimento, embora considerado seguro em córneas com leucoma em olhos amblíopes (com baixa visão significativa), carrega riscos inerentes que não podem, de forma alguma, ser sobrepostos à possibilidade de comprometimento de um olho que ainda possui alguma visão útil. A responsabilidade do médico é redobrada ao ponderar a relação risco-benefício em um olho que, mesmo patológico, ainda oferece percepção visual.

  • Dificuldade para exames futuros: A pigmentação da córnea pode criar um "perigo oculto" ao impedir ou dificultar permanentemente a realização de exames e procedimentos oculares essenciais. Isso inclui mapeamento de retina, avaliação do nervo óptico e eventuais cirurgias intraoculares que podem ser vitais para o acompanhamento da saúde do olho ao longo do tempo. Tal limitação é inaceitável em um olho que requer monitoramento contínuo, expondo o médico a uma grave falha no dever de diligência e cuidado com o paciente.

4. Compliance e responsabilidade profissional: Protegendo sua prática e seu CRM

Para o médico oftalmologista e para a clínica, é fundamental compreender que o Parecer CFM Nº 18/2025 não é uma mera recomendação; ele possui força normativa, balizando a conduta ética e legal do profissional. O descumprimento de suas diretrizes pode desencadear uma série de graves consequências:

  • Processos Ético-Profissionais no CRM: A transgressão do Parecer pode resultar na instauração de processos ético-disciplinares perante o Conselho Regional de Medicina. As sanções variam de advertência confidencial a cassação do exercício profissional, conforme previsto nos artigos do Código de Ética Médica (CEM), como o Art. 1º (exercer a medicina com probidade), Art. 32 (não causar dano ao paciente), Art. 33 (não abandonar o paciente) e Art. 40 (utilizar o conhecimento com o máximo de zelo e o melhor da ciência médica).

  • Responsabilidade Civil: O médico que realizar a ceratopigmentação em desacordo com o Parecer, e daí advier dano ao paciente, estará sujeito a ações de indenização por danos materiais (gastos com tratamento corretivo, lucros cessantes), morais (sofrimento psíquico, dor) e estéticos (deformidade). A realização de um procedimento vedado pelo CFM já configura um forte indício de imprudência na esfera da culpa, facilitando a comprovação de sua responsabilidade, independentemente da demonstração de negligência ou imperícia na execução técnica. A clínica, por sua vez, pode ser responsabilizada objetivamente pela falha na prestação do serviço, conforme o Código de Defesa do Consumidor, com responsabilidade solidária do médico, em alguns casos.

  • Dano à reputação: Em um cenário de intensa digitalização e conectividade, qualquer incidente de má-prática médica ou descumprimento regulatório pode gerar um impacto devastador na reputação do profissional e da clínica. A perda de credibilidade e a desconfiança dos pacientes são prejuízos de difícil reversão e que podem custar anos de trabalho e investimento.

  • Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE): É crucial desmistificar que um TCLE assinado exime o médico de responsabilidade em casos de procedimentos proibidos. O consentimento informado é um pilar da autonomia do paciente, mas ele pressupõe que o ato médico em questão seja lícito e ético. Um TCLE para um procedimento vedado pelo CFM não tem o condão de validar tal ato; ao contrário, ele pode até agravar a situação do profissional, pois demonstra ciência da irregularidade, mas optou por prosseguir, configurando dolo ou, no mínimo, culpa grave.

  • Segurança e regulamentação (Conforme o parecer): Mesmo para a indicação terapêutica reconstrutiva permitida, o CFM reitera a necessidade de rigor. Isso inclui o uso de pigmentos biocompatíveis e adequadamente regulados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), conforme a RDC 553/2021. Além disso, a aplicação deve ser realizada por um médico oftalmologista capacitado e em ambiente cirúrgico apropriado. A falha em qualquer um desses aspectos pode caracterizar imprudência ou negligência, mesmo dentro da única indicação permitida.

5. Estratégias essenciais para clínicas e oftalmologistas:

Diante das diretrizes claras e das severas implicações do Parecer CFM Nº 18/2025, a implementação de uma sólida estratégia de compliance torna-se um imperativo para a segurança da prática oftalmológica. A prevenção é, sem dúvida, a melhor defesa.

  • Atualização constante e educação médica continuada: Mantenha-se rigorosamente informado sobre todas as normativas do CFM, ANVISA e outros órgãos reguladores. Acompanhe publicações, seminários e cursos que abordem as atualizações em Direito Médico e Ética. A desinformação não é uma justificativa legal.

  • Revisão de protocolos internos (POPs): Promova uma revisão imediata e detalhada de todos os protocolos operacionais padrão (POPs) relacionados à ceratopigmentação e procedimentos estéticos oculares em sua clínica. Certifique-se de que cada etapa esteja alinhada com as novas diretrizes do CFM, desde a avaliação inicial do paciente até o pós-operatório.

  • Treinamento e conscientização da equipe: Garanta que toda a equipe envolvida na jornada do paciente – desde a recepção e enfermagem até os auxiliares – esteja plenamente ciente das proibições e permissões do Parecer. O alinhamento interno é crucial para evitar falhas na comunicação ou na indicação de procedimentos.

  • Diligência reforçada na prática clínica: Avalie cada caso com o máximo rigor, priorizando sempre a segurança e a saúde do paciente acima de qualquer demanda estética ou funcional não amparada pelo Parecer. Documente meticulosamente todas as etapas da avaliação, as indicações e as contraindicações.

  • Assessoria jurídica preventiva especializada: Este é, talvez, o investimento mais estratégico. Buscar suporte legal especializado em Direito Médico não é um custo, mas uma blindagem. Um advogado com expertise na área pode auxiliar na interpretação de normas complexas, na revisão de termos de consentimento (garantindo que não validem atos ilícitos), na implementação de políticas de compliance robustas e na defesa proativa da sua prática contra possíveis questionamentos. É ter um parceiro estratégico para navegar com clareza e segurança no intrincado ambiente regulatório da medicina.

Conclusão

O Parecer CFM Nº 18/2025 não é apenas um documento normativo; é um divisor de águas que reafirma o compromisso inegociável do Conselho Federal de Medicina com a segurança do paciente e a ética médica. Para o oftalmologista e para a clínica, sua compreensão e rigorosa aplicação são não apenas recomendáveis, mas absolutamente cruciais para evitar sérias repercussões legais e éticas.

A prática médica, especialmente em procedimentos que tocam a sensível interface entre saúde e estética, exige um discernimento ético aguçado, um embasamento técnico impecável e, sobretudo, uma base jurídica sólida. Proteger sua prática profissional, sua reputação e seu CRM significa estar em total conformidade com as diretrizes dos órgãos de classe.

Não permita que a falta de informação ou uma interpretação equivocada de uma norma ponham em risco sua carreira e a credibilidade construída por sua clínica. Invista em conhecimento, em compliance e, acima de tudo, em assessoria especializada. Minha expertise em Direito Médico está à sua disposição para assegurar que você e sua equipe possam focar no que fazem de melhor: cuidar da saúde ocular, com toda a segurança jurídica que merecem.

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